Muito se falou e se escreveu sobre a presença de crianças em expressões artísticas com conteúdo de nudez e sexualidade. A discussão tomou proporções enormes e, não raro, radicais. O que pensar em meio ao bombardeio de tantas visões? Proibir que crianças tenham contato com tais obras de arte é a melhor saída? Tudo depende da escolha da família? E tantas outras perguntas que surgem diante desse tema. As respostas tendem a ser tão subjetivas que propomos iniciarmos pela resposta objetiva.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) define que a criança (0 a 12 anos incompletos) e o adolescente (12 a 18 anos) tenham acesso à arte que seja adequada à sua faixa etária e que a faixa etária a que um espetáculo se destina deve estar visível em local de fácil acesso. É nesse ponto que as coisas deixam de ser objetivas e crescem as divergências. O que é adequado para qual faixa etária? Isso é em grande medida definido culturalmente. E a cultura se institucionaliza em forma de lei. Por sua vez a lei afeta a cultura, o dia a dia das pessoas.
A questão é vivemos um embate social intenso e por vezes violento. Aquilo que é de extrema clareza para um determinado grupo (a inadequação de uma criança tocar parte de um corpo adulto nu, por exemplo) não é aceito por outro grupo (que diz que a proibição seria negar à criança o acesso à arte, uma forma de censura). Pois bem, o que a Psicologia pode dizer a respeito? A partir de conceitos psicanalíticos entendemos que certas interdições são necessárias, mais do que isso, são saudáveis. Não se trata de concordar com a censura da arte. Estamos falando da função de estruturação da mente que um adulto exerce ao dizer para a criança (e para o adolescente) o que ela pode ou não pode fazer. Quais são as normas de conduta da família e da sociedade.
Passamos da legislação de um país para as “leis” familiares passando por várias esferas sociais e culturais pelo caminho. Mesmo que depois a criança cresça e transgrida os valores familiares é importante ter o que transgredir. A família saudável é aquela que consegue equilibrar-se entre a união familiar e a individuação de cada um de seus membros. Garante ao mesmo tempo a estrutura das “leis” familiares e a possibilidade de que a criança e o adolescente cresçam e se tornem adultos autônomos capazes de fazer suas próprias escolhas. Nesse ponto parece residir a chave da resposta a questão que esse artigo se propõe a debater: a criança pode escolher o que é adequado para ela?
A resposta é não. Ou melhor, ela aprende a escolher ao longo do desenvolvimento. Quanto menor a criança, mais ela depende que alguém se responsabilize por ela. Para um adulto culturalmente liberal pode parecer óbvio o que tem e o que não tem conotação sexual. Para uma criança pequena não é tão claro. Ao se passar a mensagem de que ela pode tocar um corpo adulto nu, corre-se o risco de que a criança generalize a exceção como regra e veja com normalidade a nudez do adulto. Em outra cultura isso poderia ser tranquilo, em nossa não é.
Por: Carol Primo Psi